Soledad Falabella
#América Latin(o/a)#Chile#genealogias#gênero/sexualidade#institucionalização#(inter)disciplinaridade#lente#literatura#memória#metodologia#performance arte#performativo
Entrevista com Soledad Falabella (2011)
A Professora Soledad Falabella Luco é diretora do ESE: O, uma organização sem fins lucrativos que promove projetos de escrita performativa e de ensino e prática de escrita para empoderar as comunidades de aprendizagem com habilidades efetivas para a participação local e global na produção e circulação do conhecimento (http:// www.eseo.cl). Ela ensina teoria crítica feminista, performance e poesia no Mestrado em Gênero e Cultura na Universidad de Chile. Dr. Falabella tem mais de 15 anos de experiência na academia, ensinou e realizou pesquisas em nível internacional. Como "ativista acadêmica e cultural", ela está empenhada no desenvolvimento de formas criativas para promover a mudança social através da combinação de pesquisa, pedagogia, ativismo e as artes. Falabella tem doutorado em Literatura Hispânica e Línguas na University of California, Berkeley. Livros: Qué será de Chile en el Cielo? - Poema de Chile de Gabriela Mistral (LOM Santiago, Chile 2003), Hilando en la Memoria: Curriao, Huinao, Millapan, Manquepillan, Panchillo, Pinda, Rupailaf, the first anthology of Mapuche women poets and Hilando en la Memoria, Epu Rupa (Cuarto Propio, Santiago, 2006 e 2009 resp.), Cantando la infancia, Chile y la tierra Americana Poetic Anthology of Gabriela Mistral for boys and girls from 4-6 years old (Santiago, Ministério de Educación, 2008).X
Soledad Falabella: Oi, meu nome é Soledad Falabella, eu trabalho na Universidad de Chile e sou também associada à Escola de Literatura Criativa da Universidad Diego Portales. Além disso, dirijo uma ONG chamada ESE:O, dedicada à investigação-ação.
Diana Taylor: Obrigada, Soledad. Fale-me um pouco sobre o que você entende por estudos da performance.
Soledad: Eu vejo os estudos da performance a partir da perspectiva da literatura, que é a disciplina de onde eu venho. Mas eu os entendo como uma necessidade teórica de desenvolver ferramentas que permitam ir além dos limites disciplinares. Então, em primeiro lugar, eu diria que considero os estudos da performance uma atividade eminentemente interdisciplinar, onde se cruzam a literatura, a antropologia e também o teatro, o estudo da dramaturgia e da cena, com temas de política, de memória e de direitos humanos.
Diana: Descritos dessa maneira, há instituições no Chile onde se ensine os estudos da performance?
Soledad: Eu diria que no Chile há diversas escolas dos estudos da performance. Eu estudei na Universidad de Chile, na Escola de Literatura, e ali nós começamos a escutar sobre a performance e sobre tudo o que tem a ver com o performativo da linguagem, tanto pela linha psicolinguística, em que trabalhávamos a linguística cognitiva, Searle, Austin, etc., e líamos todos “os clássicos”, sobre o que são os atos de fala performativa e também, eu diria, que houve uma recuperação muito interessante dos antigos, como Benveniste e como…, acho que é Benveniste que fala dos atos de enunciação, então ali fazíamos a interseção com a literatura e enfocávamos tudo o que fosse tradição oral, tanto nos estudos medievais quanto ao trabalhar com poetas como Violeta Parra, Gabriela Mistral, todo o aspecto indígena, o pré-colombiano e o pós-colombiano, digamos, a colonização das culturas originárias, como isso se traduz para o texto, o que foi que restou na página e o que ficou de fora. E aí é que eu diria que o literário tem uma história como… que se constitui a partir dos anos… eu diria, já a partir dos [anos] 30, pode-se encontrar textos teóricos que falam destes fenômenos. Isso não se confunde, contudo, com os estudos da performance que vêm das artes visuais. Neste caso, a genealogia é outra, uma genealogia muito mais vinculada aos happenings, que se identifica com uma cultura mais anglo e vinculada à Inglaterra e aos Estados Unidos nos anos 60 e 70. E aí, por exemplo, está o CADA, que no Chile tem uma…, é o… como se chama o Centro de Estudios de…
Diana: Colección de Arte…
Soledad: Colectivo de Arte de Avanzada [Nota da edição: o nome correto é CADA: Colectivo Acciones de Arte], onde ocorre essa enunciação, digamos, interdisciplinar, a partir de linhas distintas, frequentemente considerada uma neovanguarda e uma resposta a um momento político determinado. Agora, onde se estuda isso per se, eu diria que é bastante nômade; depende muito dos professores, de onde os professores estejam trabalhando, de onde eles sejam contratados, para onde eles vão, é uma coisa bastante emigrante. Há outra área que também é muito importante mencionar, que é a área da memória, vinculada aos direitos humanos. E aí tudo o que é performance é trabalhado a partir da psicologia social. Por exemplo, o ARCIS [Universidad de Artes y Ciencias Sociales], onde esteve Isabel Piper, que fez, eu acredito, um dos primeiros congressos de performance e memória no Chile nos anos 90 ou no princípio dos anos 2000. Então há uma área também que eu diria que agora não está muito ativa, o que mais se vê é o tema das artes visuais, porém há esses outros substratos teóricos que estão instalados, mas que custa encontrar lugar para o diálogo. Eu diria que, nesse sentido, no Chile… no Chile os estudos da performance têm uma certa fragilidade pela falta de um lugar que os congregue, e também da capacidade de diálogo entre nós. Por exemplo, nesse sentido eu diria que na escola de teatro da Universidad Católica, por exemplo, María de la Luz Hurtado fez todo um trabalho de registro de performance dos corpos de mulheres em distintos momentos da história do Chile e como é encenada a constituição do gênero e isso vinculado a uma visão de direitos civis, de acesso à esfera pública e de democratização também, que é um trabalho maravilhoso, muito cuidadoso que… ela está aí. Depois tem o Mauricio Barría, que trabalha o tema da performance mais a partir de uma escola europeia, que trabalha a cena e o momento do aparecimento em cena como um lugar de suspensão e isso está instalado na Universidad de Chile. Oportunidades de encontro, eu diria que ainda nos faltam.
Diana: Mas é interessante que vocês veem a performance de uma forma abrangente, quero dizer, incluindo tanto a performance arte, que é o que normalmente se entende por performance na América Latina, como a parte interdisciplinar, teórica; performance como uma lente epistêmica para se entender uma série de relações. Isso me parece interessante.
Soledad: Sim. Eu diria que isso é o mais importante; que todos nós chegamos com uma formação teórica forte, que nos permite também encontrar justamente pontos de encontro e vincular isso com o político, que é o que eu mais gosto do performativo; os estudos da performance como uma possibilidade de trabalhar o espaço público como um espaço político de constituição de materialidade, da subjetividade. Daí eu diria que em meus próprios seminários eu trabalho a linha…, bem, trabalho com a intervenção da lente epistêmica que você arma, digamos, nos seus escritos; e isso eu comparo aos trabalhos de Judith Butler, pensando também, bem, quais são os corpos que surgem na esfera pública como corpos que são válidos, legítimos e autorizados para rep… não representar, ter poder. E quais são os corpos abjetos que são sub-humanos. E nesse sentido também há um tema sobre gênero e sexualidade que se destaca como um tema muito urgente a ser discutido na América Latina, porque temos discriminação de raça, de classe e discriminação sexual, que são temáticas que precisamos abordar, com as quais precisamos lidar.
“O que eu mais gosto acerca dos estudos da performance é a possibilidade de se trabalhar o espaço público como um espaço político de constituição da materialidade e da subjetividade… pensando quais são os corpos que surgem na esfera pública como corpos que são válidos, legítimos e autorizados a ter poder. E quais são os corpos abjetos, que são sub-humanos.”
Diana: Então, no seu próprio trabalho, na sua pesquisa, como você utiliza a performance? Ou melhor, então, como essa lente epistêmica ou…?
Soledad: Epistêmica? Sim; eu trabalho isso de duas formas. Por um lado, eu trabalho isso como uma lente epistêmica para enunciar essa oportunidade; eu vejo isso como uma oportunidade de romper, de confrontar, de tomar consciência de tudo o que se traz à cena quando se está exercendo uma análise teórica e crítica. Por outro lado, eu vejo o trabalho acadêmico como uma performance também, a partir do qual constituímos uma cena na sala de aula, ou onde quer que decidamos atuar, e vamos praticar atos pelos quais deveríamos nos responsabilizar, em termos de atividade política e em termos da sua materialidade. Ou seja, que tipo de corpos estamos armando, em que linguagem, como queremos que eles circulem pela sociedade, como queremos que apareçam e quais são os seus fins políticos, como vamos nos relacionar eticamente com esse fluxo que está instalado na cena da performance. Então eu penso também na atividade docente e também na atividade de gestão cultural, como uma atividade profundamente – no meu caso – marcada pelos estudos da performance, que têm se alimentado desse debate e que fortalecem o meio acadêmico, que encontra força e razão de ser também, como um back up a dizer, “olha, tem sentido o que estou fazendo, não faz mal empurrar esses limites, não é uma loucura invadir a universidade com uma performance que pode ser um pouco perturbadora para a reitoria ou para a autoridade”. Um pouco também questionar a cerimônia acadêmica como um lugar pré-determinado, com uma codificação bastante sagrada.
Diana: E os seus alunos, eles se interessam pelos estudos da performance? É algo que eles consideram um campo emergente ou é uma coisa que eles estão vendo, pouco a pouco, de diferentes modos, assim como um campo de estudo?
Soledad: Os estudos da performance encantam os meus alunos. A verdade é que, quando eu proponho a possibilidade de ler a performance, ou seja, os estudos da performance, e tomar a sua própria atividade acadêmica de estudantes, de escritores, de criadores; no fundo isso é um convite a ser criadores. Dizer-lhes “o que vocês fazem importa e vai ter repercussão, é político, é crítico e pode ser criativo. Vão mais além. Vocês são atores, isto é uma ação”. Muitas coisas são liberadas aí. Se levarmos isso à redação das teses, por exemplo, e têm surgido teses que são distintas do cânone tradicional da tese, já que dizem “bem, temos que ser coerentes com o que estamos propondo a nível de conteúdo, o que ocorre com a linguagem se eu estou defendendo isto teoricamente” e alguns alunos têm tido bastante sucesso ao levar a cabo uma coisa…, criar uma nova linguagem a partir desse ímpeto de levar isso a sério, de acreditar nisso. Então eu diria que os estudos da performance, no nível da docência, do dia-a-dia da docência, é uma energia muito vitalizadora.
Diana: Bom. Muitíssimo obrigada, Sole.
Soledad: De nada. Obrigada a você, Diana.
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