Ann Pellegrini
Entrevista com Ann Pellegrini (2007)
Ann Pellegrini é Professora de Estudos da Performance e de Análise Cultural e Social da New York University, onde também dirige o Centro para o Estudo de Gênero e Sexualidade. Ela é a autora de Performance Anxieties: Staging Psychoanalysis, Staging Race (Routledge, 1997); co-autora com Janet R. Jakobsen de Love the Sin: Sexual Regulation and the Limits of Religious Tolerance (NYU Press, 2003; 2 ª edição; Beacon Press, 2004); e co-autora com Michael Bronski e Michael Amico de "You Can Tell Just By Looking" and Twenty Other Myths about LGBT Life and People (Beacon Press, 2013). É co-editora de dois volumes: Queer Theory and the Jewish Question, com Daniel Boyarin e Daniel Itzkovitz (Columbia University Press, 2003); e Secularisms, com Janet R. Jakobsen (Duke University Press, 2008). Pellegrini é co-editora geral, com Joshua Chambers-Letson e Tavia Nyong’o, da coleção Sexual Cultures (NYU Press). Em 2007, foi Freud-Fulbright Visiting Scholar de Psicanálise do Freud Museum, em Viena. Em 2012-13, ela foi faculty fellow do Centro Charles Warren de Estudos em História Americana na Harvard University. Atualmente, ela está fazendo um treinamento em psicanálise e psicoterapia psicanalítica no Instituto de Psicoterapia Contemporânea, em Nova York.X
Diana Taylor: Ann Pellegrini, muito obrigada por estar aqui conosco. Você poderia nos falar um pouco sobre você, sobre o que você faz profissionalmente?
Ann Pellegrini: Bem, eu tenho um cargo duplo na NYU [New York University], em Estudos da Religião e Estudos da Performance, então eu dou aulas que têm a ver com o papel da religião na vida pública estadunidense. Eu tenho um interesse particular em como questões sobre religião frequentemente levam a questões relacionadas a sexo e vice versa.
Diana: Você poderia dizer o que são estudos da performance, como você definiria os estudos da performance, a partir da sua perspectiva profissional?
Ann: Eu acho que quero responder..., para parafrasear a resposta de Stuart Hall à pergunta “o que são estudos culturais?”, devo dizer que os estudos da performance não são uma única coisa, nunca foram uma única coisa. Então, de certa forma, a minha resposta inicial é uma espécie de negação, a recusa de uma resposta fechada, quer dizer, obviamente, suas linhagens são múltiplas, nós poderíamos focar no ritual, seja através dos estudos da religião ou através da antropologia; nós poderíamos seguir pela teoria dos atos de fala, com a noção de performatividade de J.L. Austin; optar pelos estudos do teatro, com o seu interesse na performance ao vivo e o enfoque bastante específico do palco; ou a questões de estudos literários, em torno da textualidade. O meu próprio trabalho tende a variar dentro desse leque de exemplos. E, obviamente, eu não quero deixar de fora a psicanálise, que questiona a… que realmente insiste na questão da intenção na performance. Mas o que eu particularmente gosto a respeito dos estudos da performance é como o fato de ser uma interdisciplina nos ajuda a pensar sobre como poderíamos conectar essas diversas linhagens, qual é a linha comum? Para mim isso tem a ver com o interesse dos estudos da performance em como o corpo é tão crucial em um espaço e tempo compartilhados – o corpo é crucial na construção do significado, não apenas na atribuição de significado nas maneiras pelas quais o corpo nos é pré-concedido, que nós achamos que sabemos o que ele significa. Mas também as interações entre os corpos, o espaço e o tempo produzem novos significados. Eu acho que isso é muito útil, manter o corpo presente na análise mesmo quando o corpo desaparece, pode permanecer na memória que as pessoas guardam dele. Sei que certamente o seu próprio trabalho tem insistido na questão do que queremos dizer com arquivos e como podemos pensar de uma maneira diferente sobre como a memória permanece. Um dos motivos de eu ter tanto interesse na questão e no tamanho do corpo, eu imagino, é porque eu estou envolvida com os estudos da religião e com os estudos da performance; uma das coisas que une esses dois tipos de empreendimentos interdisciplinares, porque ambos são projetos interdisciplinares, é que eles têm um questionamento comum, que é como as pessoas constroem significado juntas? E, se você pensar em religião e performance, como elas constroem significado num contexto que, de alguma forma, diferencia-se do cotidiano. De certo modo, a antropologia também faz essa pergunta, e talvez até os estudos culturais pensem sobre isso, mas se trouxermos de volta o corpo, eu acho que temos uma dimensão que também traz fortes questionamentos sobre a existência material.
Diana: Fale sobre como você pensa sobre a psicanálise e o trauma, e como os estudos da performance podem ser uma lente útil. O que isso lhe oferece que talvez nós não conseguiríamos de outras disciplinas?
Ann: Sim, essa é uma ótima pergunta. Eu tenho pensado muito sobre isso ultimamente, especialmente em relação à questão da guerra. Há um ensaio de Freud em particular que eu tenho lido e relido. É de 1915, escrito no início da 1ª Guerra Mundial, e chama-se “Reflexões para os Tempos de Guerra e Morte” [“Thoughts for the Time of War and Death”]. Uma das coisas que ele parece estar afirmando é que uma tendência à negação da morte, nossa incapacidade ou recusa de imaginar a morte, de levar isso a sério, é algo que nos afetará. Até mesmo a recusa de levar a sério o modo como isso afetará aqueles que amamos nos deixa nessa recusa de agirmos diante da inevitabilidade da morte dos outros. Então há uma conexão entre a negação da morte e a nossa capacidade e disposição de ir à guerra e não enxergar isso como um gerador de mortes que nós poderemos vir a lamentar. Então há, obviamente, uma grande importância e urgência no momento atual, e há esse trecho em meio a essa especulação sobre a negação da morte e a realização da guerra, que basicamente eu considero um convite para que os estudos da performance entrem em cena e nos ajudem a imaginar as consequências da violência, e nos ajudem a imaginar o que a morte realmente significa. O que ele está dizendo, basicamente, é que porque nós perdemos a nossa capacidade de imaginar a morte, nós somos ainda mais dependentes da literatura e do teatro para nos fornecer essas interpretações, porque, nessas cenas imaginadas, nós podemos recuperar um pouco do risco e da importância da vitalidade da vida, ao arriscar a finalidade da morte. Portanto, há algo sobre esse testemunho delegado que o teatro nos oferece, especialmente por ser ao vivo. Ele não fala sobre o teatro e sua qualidade de acontecer ao vivo, mas eu acho que há algo, especialmente sobre o tempo e o espaço compartilhados ao se assistir a uma obra teatral, que nos dá esse sentido da pluralidade de vidas, do risco de viver e da finalidade da morte, que é tão importante. Então eu quero meio que aceitar esse convite e realmente pensar sobre isso, como os projetos de performance, e o projeto intelectual dos estudos da performance, podem relembrar-nos como é eticamente importante testemunharmos de modo a evitar o trauma, parar de revivê-lo e passá-lo adiante para outras pessoas.
Diana: Quais são os objetos de análise que você examina, dado o tipo de lente dos estudos da performance?
Ann: Certo, bem, no momento, eu tenho pensado muito sobre o trauma e a sua compulsão repetitiva – ao invés de ficar em luto, nós "passamos ao ato", por exemplo. Então eu tenho pensado sobre a pressa para entrar em guerra após o 11 de Setembro nos Estados Unidos. O Presidente Bush até declarou, acho que 10 dias após o 11 de setembro, que o período de luto acabou, que chegou a hora de agirmos; o que é um sequestro extraordinário da urgência do luto e da inércia ativa de lamentar e de presenciar. Então isso é um lado, mas também o meu trabalho; nos estudos da religião eu tenho pensado muito sobre como as noções dominantes do que constitui a religião – e nos Estados Unidos isso significa uma compreensão particular do Cristianismo Protestante e da importância da liberdade de consciência – a noção de crença, na realidade, restringe a nossa capacidade de agir, e de formar condutas que outras pessoas entendam como sendo religiosas e vitais, de certo mundo constituintes do mundo. E há também uma conexão entre os estudos da religião e os estudos da performance na reflexão sobre formas de vida que não estão apenas produzindo significado, mas também produzindo formas de relacionamento ético, e o entendimento bastante estreito do que conta como religião, que a Suprema Corte produz e reproduz constantemente, reduz as possibilidades de uma contestação política mais robusta neste país, sobre questões a respeito de ética e valores, e sobre como a religião se encaixa ou não na vida pública estadunidense. Portanto isso é algo em que eu tenho pensado muito também, especialmente examinando os casos da Suprema Corte.
Diana: Ok, muito obrigada.
Ann: O prazer foi meu.
Previous page on path | Português, page 21 of 30 | Next page on path |
Discussion of "Ann Pellegrini"
Add your voice to this discussion.
Checking your signed in status ...