Joseph Roach
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Entrevista com Joseph Roach (2007)
Joseph Roach é Professor de Teatro e Inglês e Diretor do Programa de Estudos Teatrais na Yale University. O professor Roach já fez parte do Departmento de Artes Cênicas na Washington University in St. Louis, do PhD Interdisciplinar em Teatro na Northwestern University, e do Departmento dos Estudos da Performance na New York University. Já exerceu o cargo de Diretor dos Estudos de Pós-Graduação em Inglês e de Chefe do Comitê Consultivo de Estudo Teatrais na Yale. Seu mais recente livro It (University of Michigan Press, 2007) apresenta um estudo de celebridades carismáticas. Entre outros livros e artigos, incluem-se: Cities of the Dead: Circum-Atlantic Performance (Columbia University Press, 1996), The Player's Passion: Studies in the Science of Acting (University of Michigan Press, 1993), e ensaios em Theatre Journal, Theatre Survey, The Drama Review, Theatre History Studies, Discourse, Theater, Text and Performance Quarterly, entre outors. O professor Roach possui bacharelado pela University of Kansas, mestrado pela University of Newcastle upon Tyne, e Ph.D. pela Cornell University. Os muitos prêmios do professor Roach incluem: Senior Fellowship da National Endowment for the Humanities e um Lifetime Distinguished Scholar Award da American Society for Theatre Research. Em 2006, recebeu um Distinguished Achievement Award da Andrew W. Mellon Foundation pela a criação do programa de pesquisa “World Performance” da Yale. In 2009, recebeu o título honorário de Doutor das Letras da University of Warwick (Reino Unido) e a Fletcher Jones Distinguished Fellowship da Huntington Library. Historiador do teatro e pioneiro no desenvolvimento dos métodos e pesquisa dos estudos da performance, sua pesquisa negocia com o Circum-Atlântico, limite entre a vida e a morte, a relação entre a religião, o ritual, a performance e o cotidiano; e porque a história “ainda não acabou.”X
Diana Taylor: Joe, muito obrigada por vir falar com a gente sobre os Estudos da Performance. Você poderia…
Joseph Roach: É um prazer estar aqui.
Diana: Obrigada. Você poderia falar um pouco sobre você mesmo e sobre o que você faz?
Joseph: Claro. Meu nome é Joseph Roach. Eu sou o professor da cátedra Charles C. e Dorothea S. Dilley de Teatro na Yale [University], onde estou há mais ou menos dez anos. Antes disso eu trabalhei na Tulane University, em Nova Orleans. E meus interesses acadêmicos são dramaturgia, teatro, performance e, já que trabalho em um departamento de inglês, também me interesso por todo o complexo da história literária e cultural relacionado à história da performance. E isso é algo que eu quero frisar, a dimensão histórica da performance, porque é muito importante para mim e para meu trabalho.
Diana: Bem, nessa introdução você não menciona que foi chefe do Departamento de Estudos da Performance aqui na NYU [New York University], nem...
Joseph: É, foi adorável, mas breve!
Diana: ...listou os Estudos da Performance como um de seus interesses...
Joseph: Ah não, eu coloquei, sim. Eu coloquei a performance aí e ainda a frisei.
Diana: Então, a performance é diferente dos estudos da performance para você?
Joseph: Bem, os estudos da performance para mim são... é um termo que dá nome a uma certa formação acadêmica em torno de um número de departamentos que se intitularam “Estudos da Performance”, às vezes de modo surpreendente — as histórias de como a performance se liga a vários tipos de trabalhos, trabalhos muito distintos dependendo da instituição e como eles são um espaço disputado na academia. Há múltiplas narrativas de origem, mitos e histórias que são em si constantemente renegociadas. Há programas de estudos da performance fora da América do Norte, que são enfatizados por quem participa neles e seus criadores, e excelentes interações na Aberystwyth [University] e na NYU e na Northwestern [University] e também na Austrália. Portanto, trata-se agora de uma estrutura acadêmica global, frequentemente institucionalizada num departamento acadêmico. Além disso, fica difícil dizer e especificar porque são tantas metodologias que entram em jogo, dependendo dos praticantes e de suas trajetórias e formações específicas.
“A persistência do passado tem suas consequências; e a performance é o modo através do qual nós podemos ver isso ... A história que vem do gesto, que vem da fala, que vem da canção, torna-se ainda mais importante para que possamos imaginar a história ... Isto pode nos dar o efeito bem como a compreensão cognitiva das questões do passado.”
Diana: Então, como os estudos da performance, independente de como você defina ou caracterize o campo... que tipo de metodologia ou qual gama de metodologias esse campo lhe possibilitou em seu próprio trabalho?
Joseph: Bem, esta é uma resposta que eu tenho de colocar em termos biográficos. Ajudará a compreender minha relação com esse campo o fato de eu ter nascido e crescido em Evanston, bem perto da Northwestern [University], e também que minhas escolas tinham aula de teatro desde a pré-escola até o ensino médio, por conta das atividades do corpo docente da Escola de Retórica, atualmente Escola de Comunicação. E no ensino médio, meus professores eram todos graduados, doutores pelo Departamento de Interpretação Oral, que foi o departamento que fundou a Escola de Retórica quando ainda era a Escola Cumnock de Oratória, no século 19, uma academia de elocução baseada no método Delsarte, para recitar Wordsworth com tons precisos, e era uma instituição importante pelo que significaram suas ambições. Era uma época, na sua fundação, em que a ideia era de uma massa democratizada, se você munisse todo mundo com o poder da eloquência você teria um grupo de cidadãos não apenas informados, mas também capazes de articular seus projetos politicamente. E a Academia de Elocução surgiu desse impulso democrático. Se foi isso que aconteceu de fato é uma outra questão, mas esta era a inspiração. E toda a interpretação (como quando eu surgi nessa história, como competidor representando minha escola em eventos) ainda era elocutória. Você falava a partir de um texto poético, de uma tribuna, ou lia trechos de um romance ou até mesmo encenava uma peça, alternando os olhos de um lado para o outro da sala para diferenciar entre personagens — esse foi meu treinamento como ator, através da interpretação oral. E isso nunca saiu de mim, eu vivo retornando a isso. É uma das razões pelas quais eu estou feliz num departamento de Inglês atualmente, por conta da enorme gama de poesia à qual fui exposto e até mesmo memorizei, porque parte do treinamento era decorar esses textos poéticos. Então eles foram incorporados. Mais tarde, e isso é outra parte da história pertinente a onde nós estamos agora [New York University], quando eu estava começando minha carreira como chefe de departamento, eu trabalhava numa pequena faculdade de artes liberais para mulheres. E a primeira coisa que eu fiz como chefe foi convidar Richard Schechner para falar na nossa faculdade. Eu acompanhava a The Drama Review desde os anos 60, quando ainda era estudante, e quando o Richard veio, era a época em que ele estava trabalhando com Victor Turner. E o campo dos estudos da performance... O método que o Richard estava desenvolvendo me pareceu tão visionário, porque ele trazia o sucesso das ciências para dentro da sala de ensaio, colocando juntos pesquisadores, como Richard Schechner e Victor Turner, num estúdio com os alunos, trabalhando em cima de um problema, um experimento, uma questão, uma pergunta, e vendo que resultados surgiam. E eu pensei na época que essa poderia ser uma forma de reorientar os programas de teatro para uma visão mais intelectualmente satisfatória e produtiva de pesquisa. Em tantos programa de teatro, sejam eles bons ou não, o produto final é uma produção teatral, e se fala muito pouco sobre ela depois, e certamente se escreve muito pouco sobre o que acontece nos teatros universitários. E muitas vezes isso é uma coisa boa, mas estruturalmente e a longo prazo não é bom. Toda aquela energia humana e talento criativo não produzindo nada que uma universidade dedicada à pesquisa possa valorizar. Isso é uma das razões pelas quais os professores de teatro são tão mal pagos, recebem pouca estabilidade e muitas vezes são desvalorizados. Para mim, não precisa ser assim. E os estudos da performance tomaram para si esse desafio. Mas para mim, pelo menos até agora, é uma revolução incompleta, porque nós dos estudos da performance, ainda estamos... veja que eu caí na primeira pessoa do plural aí… no campo dos estudos da performance, os praticantes ainda seguem o modelo humanista de pesquisa. Eles vão, escrevem seus livros e artigos, e voltam para publicá-los sob um único nome, na maioria das vezes. Há trabalho colaborativo, mas ele ainda está definitivamente subordinado àquele modelo humanista do pronunciamento de um acadêmico sobre um conjunto de materiais estudados. E até me parece que esse modelo é útil e produtivo. Mas o nosso campo tem uma vantagem comparativa que outros campos não têm (e o campo aqui é o de todas as artes performáticas combinadas, de maneira geral), a vantagem comparativa é que nós de fato montamos essas produções, fazemos experimentos, fazemos o trabalho, investimos muita energia criativa nessas produções. E para mim há uma imensa oportunidade, não-realizada, de colher os frutos desse processo em termos de resultados de pesquisa.
Diana: Uma das coisas que realmente caracteriza seu trabalho, eu acho, e uma de suas grandes intervenções que você fez, foi ter juntado a história e os estudos da performance. Como você conceitua essa relação? O que a performance pode nos dizer sobre o passado? E quais são algumas das formas de transmissão que podemos pensar em termos históricos, de modo que passemos entender a performance como algo para além do que acontece no aqui e agora?
Joseph: Olha, essa é uma pergunta maravilhosa, e é emocionante e significativo que é você perguntando, já que isso também caracteriza o seu trabalho, Diana [Taylor]. É importante constar o detalhe de que a minha formação profissional é como historiador do teatro, e de modo mais geral, historiador da performance — eu me interesso por música e dança também. Portanto... para mim, a coisa mais importante a respeito do século XVII (que é a época de minha especialidade e é como eu justifico minha vida dentro de um departamento de inglês), a coisa mais importante a se saber sobre esse período antes de dar o próximo passo, é que ele não acabou ainda. O passado continua a retornar, Deus nos livre. Nem sempre queremos viver com aquilo que ele nos traz, mas ele continua retornando. E para imaginar um futuro melhor é muito importante que entendamos que a persistência do passado tem suas consequências, e a performance é a maneira de ver isso. É vivo, tangível, real, tocável, compreensível através dos sentidos. E porque não é simplesmente abstraída em textos, a história que vem através do gesto, que vem através da fala, que vem através de canções, é ainda mais importante para entendermos a história e sentir suas consequências. Pode nos dar o afeto assim como a compreensão cognitiva das questões do passado.
Diana: Bem, eu também tenho muito interesse pelo que você escreve a respeito dos espaços de transmissão,vórtices de comportamento. Você fala dos diferentes modos através dos quais a transmissão pode se dar. E esses espaços... apenas em espaços culturais, talvez nós não damos atenção ao mercado — ou eu acho que a bulevar é um de seus exemplos — enfim, esses espaços onde essas transmissões acontecem. Então pensando sobre o patrimônio cultural imaterial, ou pensando sobre como protegemos ou “preservamos” — pelo menos na linguagem da UNESCO, por mais complicado que seja — práticas...
Joseph: Sim, sim…
Diana: ...que temos de olhar também para os espaços dessas transmissões, e isso me parece uma das maneiras pelas quais o seu trabalho tem sido extremamente importante também.
Joseph: Você está certa. Fico feliz de apoiar a cultura no sentido da tradição das casas de ópera. Mas se para aí, tantas possibilidades são perdidas, porque lindos trabalhos acontecem na performance do dia-a-dia. E ser sensível a isso, usar algumas das técnicas aprendidas em nosso treinamento artístico e aplicá-las para melhor enxergar os comportamentos na vida cotidiana é uma das metodologias mais interessantes dos estudos teatrais. E é verdade que os críticos vão dizer “Bem, só estão chamando tudo de ‘performance.’ O que não é performance?” Esse é um tipo de ladainha que encontramos. E é verdade que quando começamos a enumerar os tipos de coisas que podemos olhar usando essa lente chega a ser vertiginoso e em certo sentido improdutivo. Mas o importante é manter o equilíbrio crítico e o escrutínio, o foco nas particularidades do evento. E isso é uma das coisas que o treinamento artístico ajuda a ativar: seu sistema sensorial — não apenas os olhos, mas tudo — poder isolar, analisar e interpretar os eventos extremamente particulares que ocorrem diante de seus olhos, ainda que não tenham sido encenados conscientemente como eventos, ainda assim a cultura fala através deles de uma forma que é palpável.
Diana: Muito obrigada, Joe.
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