BKG
Entrevista com Barbara Kirshenblatt-Gimlett (2001)
Barbara Kirshenblatt-Gimblett é professora emérita de Estudos da Performance na New York University. Ela é Curadora Geral da exposição principal do POLIN Museum of the History of Polish Jews, em Varsóvia. É a autora de Destination Culture: Tourism, Museums, and Heritage (University of California Press, 1998), um livro-chave para o entendimento das técnicas de exibição e performatividade de objetos -- e pessoas -- em exposições. Ela também publicou Anne Frank Unbound: Memory, Media, and Imagination (com Jeffrey Shandler), The Art of Being Jewish in Modern Times (com Jonathan Karp), e They Called Me Mayer July: Painted Memories of a Jewish Childhood in Poland Before the Holocaust (com Mayer Kirshenblatt). Kirshenblatt-Gimblett publicou diversos artigos sobre estética da vida cotidiana, comida e performance, etnografia, feiras mundiais, museu, teatro, turismo e patrimônio imaterial. Ela foi pesquisadora no Getty Research Institute, no Instituto de Estudos Avançados da Hebrew University no Swedish Collegium de Estudos Avançados em Ciências Sociais e no Centro de Estudos Judaicos Avançados da University of Pennsylvania. Entre seus vários prêmios, incluem-se: Guggenheim Fellowship; um prêmio da Foundation for Jewish Culture por sua carreira; o Yosl Mlotek Prize for Yiddish and Yiddish Culture; o Marshall Sklare Award pela carreira, conferido pela Association for the Social Scientific Study of Jewry; um doutorado honorário pela Jewish Theological Seminary of America e a Ordem de Mérito da República da Polônia, pelo presidente da Polônia.X
Diana Taylor: Hoje temos Barbara Kirshenblatt-Gimblett, uma das professoras no Departamento de Estudos da Performance [da New York University], também conhecida como BKG por seus amigos e alunos, e ela vai falar sobre seu papel nesse campo de estudo. Nossa primeira pergunta, Barbara, é quais são os princípios básicos dos Estudos da Performance de acordo com seu modo de pensar?
BKG: O primeiro princípio é usar a performance como uma ideia organizadora para pensar sobre praticamente qualquer coisa. Então eu começaria com isso: performance é uma ideia organizadora. Isto quer dizer que eu posso pensar sobre museus, vida cotidiana, ruas, cidades, arquitetura, espaço, feiras mundiais, comida… performance como uma ideia organizadora é um conceito muito poderoso.
A segunda característica é estudar eventos como performances. Esses eventos podem ser performances no sentido tradicional ou podem ser estrategicamente analisados como performances. Então, enquanto por exemplo a literatura toma obras literárias como seu objeto de estudo, os estudos do cinema tomam filmes, a performance toma a performance como seu objeto, não exclusivamente, mas eu diria que como um ponto de partida. Na prática, podemos ir bem mais longe do que isso, mas como um alicerce para nosso pensamento eu diria que as performances são muito importantes. Então, performance como uma ideia organizadora e performances como objetos de estudo.
Diana: O que você considera que os estudos da performance nos permitem alcançar, objetivamente, em termos de metodologias, epistemologias etc.?
BKG: Bem, em primeiro lugar, o tipo de estudos da performance que eu gosto de praticar, e que eu gosto de ensinar, envolve a integração de preocupações teóricas com a observação concreta de comportamentos reais. E eu acho que isto definitivamente distingue o campo dos Estudos da Performance de outros campos e em muitos aspectos o aproxima da antropologia, da sociologia, dos estudos teatrais, da música e outras artes performáticas. Ou seja, prestar atenção ao que as pessoas de fato fazem é extremamente importante. E o que eu argumentaria, e o que eu gosto de pensar é que as performances podem em si mesmas ser uma fonte de teoria, e não apenas um espaço para a aplicação da teoria, que a performance contemporânea, a performance experimental, as vanguardas históricas e outras tradições performáticas diferentes das que historicamente têm sido o foco dos estudos teatrais oferecem possibilidades teóricas que ainda não estão formuladas. Então eu sinto que há possibilidades tremendas. É muito gratificante olhar de perto e concretamente para comportamentos reais, isto para mim é muito importante, e descobrir possibilidades teóricas nesses comportamentos, isto é o que eu chamaria de “teoria performada”.
Diana: Você poderia me dar um exemplo de um dos cursos que você ensina? Como você enxerga essas coisas em particular num curso específico?
BKG: Sim, há vários disciplinas minhas que... há uma espécie de... eu até chamaria isto de uma “pedagogia dos estudos da performance”, que se relacionam bem com estas ideias. Por exemplo, eu ministro uma disciplina chamada “Estética da Vida Cotidiana”. Esse é um curso que começa com a ideia de que a performance como um princípio organizador é útil para pensar o mundano, o comum, para pensar sobre aquilo que não ocorre num palco, num teatro, numa situação assim delimitada. Nós então investigamos onde seria útil usar uma ideia de performance. A mesa de jantar. A vida na rua. A lavanderia. Eu dedicaria uma unidade inteira sobre lavar roupa. Eu mostro um filme maravilhoso chamado Clothesline [“varal”] e tomo o ato de lavar roupa como estudo de caso. Eu tento pensar para mim mesma: “Qual o caso limite? O sono? Qual o caso limite? Onde, qual o grau mais baixo?” Porque se formos para a performance de rua, se formos para o ritual, se formos para a celebração, aí meus alunos vão dizer: “Bem, mas aí é trapaça! Esses são exemplos evidentes de performance. Você está falando em vida cotidiana, em mundano, pois então seja mundana!” E lavar roupa foi um ótimo exemplo, e Clothesline foi um exemplo fantástico. Acontece que se você olhar bem de perto e profundamente para algo muito, mas muito comum, você acessa o grau com que esta coisa consegue ser simbolicamente rica, consegue ser, se você quiser, uma performance, bem como performativa.
Então, em “Estética da Vida Cotidiana” nós olhamos para uma série de exemplos: conversa cotidiana, atividades do dia-a-dia, coisas que tenham a ver com a preparação da comida, e a comida em si de um modo geral. Eu dou uma disciplina sobre comida e performance que investiga desde os aspectos mais ordinários da comida até os mais elaborados. Produções turísticas. Viagens. Ir até os lugares. Trabalhar em casos concretos. O teatro dos museus. Achar casos que sejam gratificantes quando estudados e analisados de perto. E os trabalhos que os alunos escrevem para o curso todos envolvem pesquisa de fontes primárias, seja sobre um tema histórico ou contemporâneo, seja baseada em observação ou em material de arquivo. E eu gosto que a pesquisa seja organizada em torno de um caso, de um objeto, algo concreto que possa ser observado com profundidade e analisado em detalhe, onde podemos ver comportamentos reais. E essa é uma parte fundamental da pedagogia e que envolve contato direto com as fontes, com fontes primárias e pesquisa primária.
Diana: E como você vê os estudos da performance contribuindo para o estudo da cultura expressiva num contexto internacional?
BKG: Bem, nós acreditamos… Eu gosto de pensar nos estudos da performance como sendo um campo intercultural, interdisciplinar e intergenérico. Quero dizer, interdisciplinar no sentido de que [na New York University] éramos no começo um departamento de pós-graduação em teatro, mas nos tornamos um departamento de estudos da performance exatamente porque os limites disciplinares do teatro não nos permitiam chegar no ponto onde queríamos chegar e fazer o que considerávamos importante.
O que quer dizer isso? Quer dizer que intelectualmente nós queríamos trabalhar com um espectro muito mais amplo de conceitos e métodos. Mas quer dizer também que a arte dramática, conforme ela é tradicionalmente estudada em departamentos de teatro, tende a focar exclusivamente em teatro europeu e estadunidense, que é uma fatia fininha, um ponto no mapa da cultura humana, do que eu chamaria de “performance”. Portanto os estudos da performance de cara já se abrem para as tradições de performance do mundo inteiro. E estas tradições têm… muitas delas não foram divididas em algo chamado “música”, algo chamado “dança”, algo chamado “teatro”, algo chamado “bonecos”. A tendência é que essas tradições sejam, por suas próprias naturezas, multimídia, intergenéricas. A tendência é elas serem, por suas próprias naturezas, a exceder os limites do europeu, exceder os modos como tradicionalmente pensamos o teatro e a dramaturgia europeia. Portanto, interdisciplinar, intergenérico e intercultural.
Acho que em muitos sentidos nosso projeto foi influenciado pelas vanguardas históricas e pela performance experimental, que seriam inconcebíveis sem um encontro e um engajamento com tradições de performance, tradições estéticas estrangeiras à Europa e aos Estados Unidos. Então os estudos da performance, por sua própria natureza e desde sua origem, têm mantido esse contorno intergenérico, intercultural e interdisciplinar, que eu considero extremamente rico e gratificante.
Diana: Obrigada.
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