Richard Schechner
Entrevista com Richard Schechner (2001)
Richard Schechner é diretor de teatro, escritor, professor e editor. Ele é professor emérito de Estudos da Performance na Tisch School of the Arts, New York University. Foi um dos fundadores do Departamento de Estudos da Performance da NYU. As teorias da performance de Schechner são baseadas em trabalho de campo, prática artística e pesquisa de arquivos. Ele é editor da TDR: The Journal of Performance Studies. Seus livros incluem Public Domain (1968), Environmental Theatre (Hawthorn Books, 1973), Between Theater & Anthropology (University of Pennsylvania Press, 1985), The Future of Ritual: Writings on Culture and Performance (Routledge, 1993), Performance Theory, edição revista e ampliada (Routledge, 2002), Over, Under, and Around (Seagull Press, 2004), Performance Studies: An Introduction, edição revista e ampliada (Routledge 2013) e Performed Imaginaries (Routledge 2015). Os livros editados por ele incluem The Free Southern Theatre (1969, com Gilbert Moses e Tom Dent), Dionysus in 69 (1970), Ritual, Play, and Performance (com Mady Schuman), By Means of Performance (1990, com Willa Appel), e The Grotowski Sourcebook (1997, com Lisa Wolford). Os livros de Schechner foram traduzidos para várias línguas. Ele foi premiado com fellowships do National Endowment for the Humanities, Smithsonian Institution, Fulbright, Guggenheim Foundation, SSRC, AIIS, Leverhulme Trust, Conselho Cultural Asiático, Erasmus Mundus, Princeton University, Cornell University e Dartmouth College. Seus prêmios incluem o Jay Dorff Lifetime Achievement Award do PSI (2002), Career Achievement Award do ATHE (2008), Thalia Prize (2010), entre outros. É fundador do The Performance Group, e do East Coast Artists e foi co-director artístico do The Free Southern Theater e do The New Orleans Group. Ele já dirigiu peças de teatro, proferiu palestras e conduziu workshops sobre performance na Ásia, África do Sul, América Latina, Oriente Médio, Austrália e Europa. Ele é professor honorário da Academia de Teatro de Xangai, onde está o Centro de Estudos da Performance Richard Schechner e onde é editada a TDR / China (em chinês). Os mais de 50 anos de trabalho de Schechner têm ajudado a transformar o estudo e a prática de performance.X
Diana Taylor: Richard, você poderia nos contar como os estudos da performance surgiram, como um campo interdisciplinar, ou pós-disciplinar?
Richard Schechner: Bem, eu gosto de pensar que os estudos da performance sempre existiram. A questão talvez seja: o que precipitou as relações particulares que hoje chamamos de estudos da performance. Quando eu digo que os estudos da performance sempre existiram, faço alusão à noção profundamente arraigada em tradições asiáticas, em tradições africanas e mesmo em tradições europeias, de que a performance se estende para muito além do que acontece num palco teatral. Nós todos conhecemos a famosa máxima de Shakespeare, “Todo o mundo é um palco”, mas há também na tradição indiana a noção de Maia e Leela de que toda a existência é um tipo de jogo, ou performance, se desenrolando no momento presente, etc.
A questão é que em um dado momento, talvez 25 ou 30 anos atrás, houve uma confluência particular de ideias vindas da antropologia, da linguística estrutural, da psicologia, da sociologia e da estética, que pareciam convergir mais ou menos para o mesmo lugar — não exatamente o mesmo lugar, mas mais ou menos o mesmo lugar. Esse lugar poderia ser identificado por várias ângulos. Primeiro havia uma insatisfação com o tipo de análise levado a cabo na época e com a estética que estava em voga, e isso fazia parte de um desafio geral, nos Estados Unidos, na Europa Ocidental, na América Latina e em outros lugares, em relação aos poderes vigentes. Às vezes isso era chamado de Movimento da Juventude; outras vezes, Movimento de Democracia Participativa; a onda de radicalismo que se seguiu ao colonialismo; a Teologia da Libertação. Todas essas coisas podem ser consideradas como uma grande rebelião contra a autoridade estabelecida, seja autoridade governamental, epistemológica, intelectual ou artística.
Enfim, nessa mesma época estava entrando para a academia um grupo de acadêmicos jovens e de pensadores radicais. Se os radicais da década de 30 haviam trabalhado em geral fora da academia — com exceção da Escola de Frankfurt — os radicais da década de 60, pelo menos vários de nós, tornaram-se “radicais concursados” [“tenured radicals”], para usar uma expressão famosa. Então, penso que a questão é como isso se constituiu. Houve uma grande influência dos pós-estruturalistas franceses, e mesmo dos estruturalistas antes deles, de Lévi-Strauss e dos linguistas estruturalistas. E logo da rejeição destes, que acabou absorvendo algo de seus programas originais. Foi nessa atmosfera que os estudos da performance começaram a perceber na prática nosso próprio paradigma de eventos encenados, de conhecimento corporificado. E isso está intimamente ligado com certas noções políticas e sociais de levar o seu corpo para a rua; de agir; com a revolução ou rebelião não-violenta de Gandhi contra os Britânicos; com Martin Luther King; Todas essas coisas que nos diziam que o corpo em ação não era simplesmente um instrumento de algo alheio a ele, mas era em si uma “inteligência ativa” epistemológica, política e estética. Ponhamos as coisas nesses termos, ao invés de falar em corpo como uma “coisa”, como na pintura tradicional.
Esses foram alguns dos processos de formação do campo, e minha própria contribuição nessa altura foi enxergar, nas ciências sociais e na antropologia estrutural em particular, modos relevantes de se olhar para a realidade. Essa é a função do trabalho de campo e da observação. A noção de que o ritual ou o comportamento representacional sempre traz consigo uma qualidade estética e de que o comportamento estético sempre traz consigo uma qualidade ritualística. Ou seja, dizer que o comportamento estético traz como parte de sua intenção a transformação do ser humano e de que o comportamento ritualístico tem como parte de sua intenção promover o prazer e a beleza. No trabalho de campo antropológico eu achei algumas convergências. Ao mesmo tempo e em lugares distintos, várias pessoas— os pós-estruturalistas franceses, como eu mencionei, e pessoas como Irving Goffman e Victor Turner nos Estados Unidos— estavam enxergando qualidades performativas na vida cotidiana. Naquele momento, pelo menos, eu não tinha conhecimento da noção do performativo em Austin, que emergiu mais ou menos na mesma época … mas mais consciente do trabalho de Goffman, de Turner e coisas assim.
Diana: Richard, quais são os princípios básicos dos estudos da performance de acordo com sua visão? O que os estudos da performance nos permitem fazer, como uma metodologia ou como um campo de estudo?
Richard: Bem, em primeiro lugar, e isto não é universalmente aceito, mas de minha parte considero que os estudos da performance devem fazer referência, emergir e voltar, ao comportamento corporificado. Isso me põe em conflito em certa medida com alguns dos meus colegas, para quem a escrita é uma performance; a escrita pode ser vista como uma performance, ou o ato de escrever pode ser uma performance como o ato de pintar— que Jackson Pollock, no ato de pintar, está fazendo uma performance, sim, mas suas pinturas não são performances. No entanto, as pinturas podem participar de uma performance, quando estão interagindo com pessoas olhando para elas. Mas aí a análise não deve ser do quadro de Pollock em si, ou de qualquer obra de pintura em si, mas sim do lugar desse quadro numa galeria ou museu, da reação de um grupo particular de espectadores ao quadro. Então a primeira qualidade da performance é a ação corporal.
A segunda qualidade é metodológica, e eu nem a chamaria de “qualidade”, mas de uma afirmação da não-finalidade: que coisas, conhecimento e disciplinas acadêmicas, ou o que queira, não podem ser canonicamente definidas. A ironia aqui é que eu estou sendo gravado e, até certo ponto, isto será arquivado e se tornará, usando um termo seu, parte de um arquivo. Mas eu dou muita ênfase, outra vez usando um termo seu, ao repertório em vez do arquivo. O arquivo está lá, mas para mim o repertório é muito mais preponderante e importante porque é através do repertório, do comportamento em ação, que o processo continua gerando mudanças constantes. Portanto o primeiro fundamento dos estudos da performance, metodologicamente falando, é não ter fundamento; que o modo como isso funciona na prática, me parece, é que qualquer lista de livros ou lista de textos fundamentais ou performances fundamentais para o nosso campo devem ser constantemente revistas e mudadas. Provavelmente isto é resultado da minha própria história pessoal naquele antigo movimento de radicalismo político e da minha total falta de confiança na autoridade, mesmo na autoridade que eu próprio ajudei a construir.
Diana: Qual você considera a contribuição dos estudos da performance para o estudo da cultura expressiva em um contexto internacional?
Richard: Bem, antes de mais nada, eu prefiro pensar em termos de um contexto intercultural, e não internacional. Por exemplo, peguemos a famigerada Guerra Contra o Terrorismo na qual os Estados Unidos está envolvido neste momento. Até que ponto esta é uma guerra nacional? Até que ponto esta é uma guerra cultural? Até que ponto ela transcende as fronteiras nacionais? E até que ponto ela é uma resposta a um outro movimento que transcende as fronteiras nacionais? Ora, as fronteiras nacionais são usadas convenientemente quando elas servem ao propósito de quem quer que seja. Mas os conflitos em si estão acontecendo e as mudanças são interculturais.
Agora, a ideia de “intercultural” para mim tem dois aspectos: Tem o aspecto de integração, isto é, que diz respeito não à ideia de universalidades culturais, mas sim, digamos, à ideia de similaridades culturais, seja através da difusão — que é muito mais abrangente do que as pessoas nos estudos da performance pensam — ou através de reações similares a ambientes similares, isto é, de situações sociais, políticas e ecológicas similares que geram tipos de conclusões similares. Então, intercultural tende não às universalidades culturais mas a similaridades às quais devemos prestar atenção. E o segundo aspecto são as diferenças, totalmente particulares, e até mais interessantes. E os estudos interculturais, isto é, o estudo da performance intercultural, busca enxergar não o lugar onde a comunicação parece sem conflitos — acho que isso é um desejo que muitas pessoas tentam nos impor — mas o lugar onde a comunicação é inadequada.
Um grande exemplo, do meu ponto de vista, é a performance de Coco Fusco e Guillermo Gómez-Peña — The Couple in the Cage [Casal na Jaula] — porque ali eles estavam explorando e tirando vantagem da transparência de uma exposição museológica e uma exposição de arte que projetaria um certo tipo de realidade sobre os “primitivos” americanos não-descobertos, o desejo de certas pessoas pelo selvagem, pelo não-descoberto, mas ao mesmo tempo expondo e tirando sarro disso, fazendo uma paródia disso. A paródia e a ironia funcionam principalmente em relação a falhas na comunicação. Assim funciona a ironia dramática: o público entende uma coisa e os personagens entendem outra, ou um personagem entende uma coisa e os outros outra. E os estudos da performance parecem, na minha opinião, jogar até intelectualmente com a paródia, a ironia, o mal-entendido, e essa é a característica intercultural que é bastante interessante.
Então, quando você começa um instituto hemisférico eu me interesso não só pelo que essas diversas culturas têm em comum, mas pelo que as separa. Onde palavras ou gestos que aparentemente dizem a mesma coisa através de culturas diferentes na verdade estão dizendo coisas completamente distintas? Onde nós mal-entendemos uns aos outros? Isso provavelmente tem a ver, no meu caso, com minha história no teatro. O teatro se torna dramático em termos de conflito, em termos de mal-entendimento, você sabe. Como Otelo não entende Desdêmona? Como Iago joga com esse mal-entendimento? Bem, isto também é verdade de cultura para cultura, bem como de indivíduo para indivíduo. Então, enquanto algumas pessoas enfatizam o multicultural, aquela suposta colcha de retalhos de culturas diferentes existindo num certo tipo de harmonia, eu gostaria de pensar o intercultural como modo de explorar e tirar proveito dos mal-entendidos. E este lugar onde estas coisas se destacam umas das outras, ou se acoplam, é onde novos conhecimentos, novas perspectivas podem ocorrer. Não uma crença de que nós finalmente resolveremos os problemas do mundo e chegaremos à utopia, pois nunca conseguiremos. Mas um conjunto de problemas leva a outro, e a vida não é excitante e boa de viver porque alcançamos o paraíso, a utopia ou a sociedade perfeita, mas sim porque somos sempre capazes, não importa a idade, de reencenar e retomar as dificuldades e diferenças e manter uma relação dinâmica com o conhecimento, com a sociedade, com o nosso próprio desenvolvimento pessoal.
E aí, o que achou?
Diana: Achei ótimo.
Richard: Você quer que eu argumente o contrário? (risos)
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