Barbara Browning
Entrevista com Barbara Browning (2002)
Barbara Browning é Professora e ex-Chefe do Departamento dos Estudos da Performance na New York University. Obteve seu bacharelado, mestrado e doutorado em Literatura Comparada pela Yale University. Em 1983, recebeu Fulbright Fellowship para estudar literatura popular em Salvador, Bahia, Brasil. Seu primeiro livro, Samba: Resistance in Motion (Indiana University Press, 1995) foi o vencedor do prêmio De la Torre Bueno por seu trabalho proeminente sobre pesquisa em dança. É também autora de Infectious Rhythm: Metaphors of Contagion and the Spread of African Culture (Routledge, 1998) e de dois romances ficcionais-críticos, The Correspondence Artists (Two Dollar Radio, 2012, selecionado para o Believer Book Award). Seu artigos foram publicados em antologias e também em publicações como Dance Research Journal, TDR, Dance Chronicle, e Women & Performance. É membro da diretoria das instituições Congress of Research on Dance e The Society of Dance History Scholars. Browning é também membro do conselho editorial da Women & Performance e do conselho consultivo do Dance Research Journal. A professora Browning é também bailarina e por vários anos se apresentou e ensinou danças brasileiras no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa. Recentemente ela tem se dedicado à crítica e performance intermídia, apagando as fronteiras entre prática musical e dança, teoria da performance e crítica.
XDiana Taylor: Bem, hoje nós estamos conversando com Barbara Browning, que é Chefe do Departamento de Estudos da Performance [na New York University] e que tem trabalhado extensivamente, especialmente com dança e rituais de possessão, acho que se pode chamar assim, no Brasil e em outras partes da diáspora africana. Então, Barbara, você poderia nos falar um pouco sobre o que você entende por estudos da performance? Como você os definiria?
Barbara Browning: Bem, eu sempre acho mais fácil começar a responder a essa pergunta transformando ela em uma narrativa. Contando uma pequena história. Então eu geralmente falo sobre o desenvolvimento do campo de estudos da performance em relação a um período particular na carreira do Richard, do nosso colega Richard Schechner, quando ele começou a colaborar com o antropólogo Victor Turner. E, sabe, é interessante observar o trabalho teatral que o Richard produziu naquela época, mas também observar aquela colaboração intelectual. E pensar sobre o que significa ter colaborações interdisciplinares. E você sabe que o Richard subsequentemente escreveu um livro muito interessante, intitulado Between Theater and Anthropology
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E quando eu estava ensinando, por exemplo, Introdução aos Estudos da Performance, eu achei interessante apresentar uma pequena história para falar sobre aquela colaboração, que não era apenas alguém do campo do teatro recebendo informações de um antropólogo, mas sim realmente buscando incorporar metodologicamente algumas das técnicas e maneiras de pensar da etnografia na prática teatral. Assim como o Turner também tinha interesse em incorporar a prática e a técnica teatral na sua metodologia de trabalho de campo etnográfica. E então eu perguntava às pessoas, no início, por exemplo, desse meu curso introdutório: Onde você se encontra? Entre
Então, interdisciplinaridade não expressa exatamente esse tipo de intercâmbio verdadeiro entre metodologias e modos de se pensar. Para mim, quando eu respondo a essa pergunta, a resposta meio que evoluiu com o tempo, mas eu acho que o meu próprio sentimento é que provavelmente o meu trabalho está, eu o posicionaria, entre a antropologia médica e os estudos da dança, ou entre os estudos da dança e da música – especificamente a dança diaspórica africana e os estudos da música. E eu posso falar ainda mais sobre isso, mas você sempre ouve uma grande gama de respostas. Pessoas que estão tentando dominar duas coisas que parecem muito, muito distintas em termos de estruturas institucionais. E eu acho que essa é uma das razões pelas quais os tipos de trabalho que são produzidos no campo de estudos da performance muitas vezes são, não apenas interessantes, mas têm um certo poder e um aspecto político. Porque, logicamente, uma vez que você começa a cruzar essas fronteiras, você começa a perturbar as fronteiras disciplinares. O Victor Turner era um teórico não apenas do ritual, mas do ritual liminar, dos rituais da liminaridade, os locais onde as pessoas cruzam fronteiras e, como ele teorizou muito bem, esses são locais muito carregados e interessantes, quando você está entre coisas.
Então eu acho que outra coisa que eu diria sobre o campo de estudos da performance é que, quando eu começo a conversar com pessoas que têm curiosidade a respeito, que não sabem muito sobre ele, e querem pensar sobre ele, eu... não apenas conto uma narrativa, mas talvez começo com estruturas simples e depois com categorias e fronteiras bem simples, e só então demonstro os modos pelos quais essas categorias e fronteiras podem ser perturbadas ou perturbar umas às outras. Por exemplo, no curso introdutório, eu começo – talvez seja a minha personalidade passivo-agressiva – eu começo a tornar as coisas muito, muito fáceis e simples e de certo modo dividir as coisas em categorias genéricas: Nós vamos falar sobre teatro, depois sobre ritual e então sobre espetáculos sociais; em seguida, falaremos sobre música e então sobre dança. Mas, ao longo do processo de estudar essas diferentes… o que nós frequentemente chamamos de "categorias estéticas", ou categorias de gênero… para demonstrar que, na realidade, uma vez que você começa a examinar as funções dessas coisas, as categorias realmente tornam-se muito, muito imprecisas. De modo que, ao final, a sua noção de que há algo distinto, que você poderia identificar um espetáculo social, por exemplo, ou um protesto político... como o seu trabalho geralmente aponta... Por exemplo, eu acho muito interessante observar algumas ações do ACT UP no contexto do pensamento sobre a história teatral; pensar sobre Aristóteles e sobre o que Aristóteles tinha a dizer sobre a técnica teatral correta na tradição ocidental, e o que poderia ser demonstrado no palco e o que não podia. E havia algo a respeito da morte que não podia ser representada no palco. Então o que acontece, quando você chega até, por exemplo, um die-in – uma ação do ACT UP que, na realidade, não é apenas uma representação teatral da morte, mas uma apresentação real da morte como espetáculo – como isso perturba a sua maneira de pensar sobre a teatralidade e vice versa. Como Aristóteles efetivamente fundamenta o seu modo de pensar sobre o poder dessa ação. Portanto, os meios através dos quais nós podemos borrar essas categorias, isso tem muito a ver com o que nós estamos buscando como campo de estudo em geral.
Diana: Bem, acho que você falou bastante eloquentemente sobre a interdisciplinaridade, talvez — ou transdisciplinaridade, ou como você queira chamar — do trabalho que realizamos nos estudos da performance. Como você acha que isso contribui para os trabalhos transculturais ou internacionais? Por exemplo, eu estava pensando sobre o seu trabalho no Brasil.
Barbara: Bem, quando eu falei que o meu trabalho... eu meio que me inspiro, ou eu sou muito influenciada por certos tipos de antropologia médica, isso tem a ver, em parte, com os meus interesses relativamente recentes nas configurações da dança — da música e das danças diaspóricas africanas — como algo que pode ser contagioso, e nas maneiras como elas podem ser configuradas em relação a doenças e curas. Então isso é uma parte. Mas também, a antropologia médica nos últimos anos tem realmente caminhado para um terreno muito interessante em termos de metodologias, metodologias de trabalho de campo e dos modos de se ouvir as pessoas sobre como elas falam a respeito de sua própria saúde ou doença. A antropologia médica – a antropologia médica politicamente engajada – tem destacado a importância de efetivamente ouvir essas narrativas muito cuidadosamente e de se fazer uma análise cuidadosa da plausibilidade, em muitos casos, sabe, da real plausibilidade de algumas dessas narrativas. Isso tem influenciado o meu modo de pensar sobre como fazer o meu trabalho de campo, como pesquisar sobre dança e música diaspórica africana. Então, para mim, é muito importante, por exemplo, engajar-me de verdade com as histórias orais, com narrativas populares sobre as genealogias musicais, as genealogias da dança, a relação entre os gêneros da música e da dança e a história da nação, e muitas vezes, numa espécie de... muitas vezes essas narrativas orais são, de certa forma, desmerecidas ou consideradas como uma espécie de crença popular que não tem muito a ver com a história real e literal. Mas se você estiver disposta a realmente entender esses tipos de figuras de linguagem e seus discursos, muitas vezes elas lhe contam uma história muito mais interessante. E às vezes isso nem se expressa através da linguagem; às vezes se expressa na polirritmia, ou em certos tipos de coreografias que, se você realmente prestar bastante atenção, lhe contam uma importante parte da história que não foi escrita.
Diana: Certo. Isso me parece ser uma daquelas coisas que nós podemos fazer que talvez outros campos não fazem, observar esses outros sistemas de transmissão que não são orais ou rítmicos... é uma grande parte do seu trabalho.
Barbara: Muito importante… certo. Bem, certamente a polirritmia em particular é algo no qual eu tenho muito interesse, em termos das formas pelas quais isso pode nos ajudar a pensar sobre formas mais complexas da própria historiografia. Porque a polirritmia é, na verdade, linhas de tempo sobrepostas. E, claro, a historiografia, a historiografia normativa, estrutura as coisas dentro de um modelo linear. Tantas coisas são excluídas, mas não se trata apenas do que é excluído. É também que, a nível conceitual ou teórico, as pessoas vivem com o passado – quer isso seja configurado como viver com o passado por causa da presença de espíritos de ancestrais que podem se fazer presentes nas chamadas “cerimônias de possessão espiritual”, quer seja configurado de outras maneiras. A música polirrítmica, na realidade, é um tipo de modelo interessante para se pensar sobre como o passado se faz presente o tempo todo. E as pessoas vivem com o passado, então essas linhas de tempo sobrepostas, linhas de tempo musicológicas sobrepostas, podem nos contar muitas coisas sobre modos de se pensar a história com mais complexidade.
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