Sue Ellen Case
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Entrevista com Sue Ellen Case (2010)
Sue-Ellen Case é Professora na Escola de Teatro, Cinema e Televisão da University of California, Los Angeles, e diretora do Centro de Estudos da Performance. Foi editora do Theatre Journal. Professor Sue-Ellen Case publicou amplamente nas áreas de teatro alemão, feminismo e teatro, teoria da performance e teoria crítica lésbica. Ela já publicou mais de 35 artigos em revistas como Theatre Journal, Modern Drama, Differences: A Journal of Feminist Cultural Studies, e Theatre Research International, bem como em muitas antologias de obras críticas. Seus livros incluem Feminism and Theatre (Palgrave Macmillan, 2008) e The Domain-Matrix: Performing Lesbian at the End of Print Culture (Theories of Representation and Difference) (Indiana University Press, 1997), Performing Science and the Virtual (Routledge, 2006) e Feminist and Queer Performance: Critical Strategies (Palgrave Macmillan, 2009). Ela editou várias antologias de obras e textos críticos do teatro, incluindo The Divided Home/Land: Contemporary German Women's Plays (University of Michigan Press, 1992) e Split Britches: Lesbian Practice/Feminist Performance (Routledge, 1996). Suas obras foram traduzidas para várias línguas, incluindo coreano, árabe, turco, alemão e polonês. A Professora Case foi agraciada com o maior prêmio em duas das principais associações na área teatral: o Career Achievement Award da American Society for Theatre Research e da Association for Theater in Higher Education. Ela foi Fulbright Scholar na National University of Singapore, foi Lang Professor of Social Change no Swarthmore College e professora visitante da University of Warwick e da University of Stockholm.X
Sue-Ellen Case: Sim, sabe, a performance arte é um dos lugares onde começou — e, de acordo com algumas pessoas, isso foi um fenômeno da costa oeste [dos EUA], totalmente vinculado ao feminismo, aos primeiros trabalhos de Judy Chicago e coisas desse tipo. Chris Burden e esse pessoal... havia um fenômeno de performance na costa oeste que saiu lentamente de dentro das galerias para as noções de documentação... [Allan] Kaprow estava trabalhando na costa oeste... então os happenings, os ambientes e todo esse tipo de coisas, eu acho, nos deram um sentimento diferente de origens e de contextos para a performance do que aquele que as pessoas pensam ter saído do livro do [Richard] SchechnerSchechner, Richard. 1977. Essays on performance theory, 1970- 1976. New York: Drama Book Specialists.. Ou o tipo de investigação de entrar em outras culturas e descobrir que, para fazer isso, era necessário alargar a nossa visão para muito além do que o paradigma do teatro nos permitia. Isso emergiu, eu acho, dos nossos próprios ambientes históricos de performance — e investigações — que começaram na década de 60, com o ativismo, de um lado (aquilo de que eu falava, com o feminismo e nos anos 80, com o ACT UP, e assim por diante). Essa é uma linha, a outra linha é a da performance arte, que estava vinculada ao feminismo e a outros movimentos sociais, mas não necessariamente. Então, havia essa coisa de galeria. E havia ainda toda aquela... brincadeira de San Francisco... em torno do transformismo. E isso foi, pelo menos na minha experiência histórica — tendo estudado em Berkeley, etc. — isso foi, em parte, como eu passei a entender que, se eu quisesse olhar para a performance gay e queer, eu teria que olhar também para esse tipo de transformismo, divertido, bobo, que explorava a rua e qualquer lugar onde as pessoas se travestiam; ou talvez se tratasse de um transformismo sério, ou algo assim.
Então estas foram as coisas que me levaram — e eu acho que levaram também um ambiente de críticos e autores — a olhar mais amplamente para algo chamado “performance”. E os estudos da performance nos ajudaram — essa noção nos ajudou a sair do paradigma do dramaturgo, da peça teatral, blá-blá-blá, que vinha direcionando os estudos teatrais e o que eles chamavam de “drama”, que era tão… persistente em algumas concepções. E foi por isso que nós incluímos os estudos da performance no nosso doutorado em teatro [na UCLA], para ir além da noção de dramaturgia e drama, e de tudo isso, e para poder treinar os nossos estudantes a olhar para essas coisas de um modo mais amplo.
E eu acho que, como eu disse no meu último livro
Case, Sue-Ellen. 2006. Performing science and the virtual. London: Routledge.
... o que eu chamo de “odontologia cultural”, essa separação da música, da dança, do teatro, blá-blá-blá, foi um tipo de odontologia cultural europeia que agora estamos tentando recompor, teoricamente e de forma interdisciplinar. E, é claro, nós tivemos que trabalhar... não tivemos que trabalhar, nós pudemos trabalhar muito próximo da dança, e isso desafiou muitas das nossas concepções de performance. Porque mesmo os exemplos que eu dei agora, do feminismo e da performance arte, e etc., não estavam necessariamente vinculados aos tipos de experimentos que estavam acontecendo na dança. E porque também temos Susan Foster na UCLA, e ela exerce uma imensa influência sobre mim e sobre outros também – e ela é muito ativa no Centro de Estudos da Performance – nós tivemos que levar em conta a genealogia da experimentação de Cunningham, Cage, Trisha Brown nessa configuração da ideia de performance também – apesar de que ela [Susan Foster] provavelmente não gostaria de nos ver abandonar o termo “dança”. Mas os nossos alunos... e porque nós damos aula em várias disciplinas ao mesmo tempo — os alunos dela, e os nossos, nos obrigaram, de certa forma, a analisar mais amplamente essas relações entre a dança e o texto e até... sim, bem, coisas que se baseiam em um texto, de certo modo, como base.Então eu penso assim. Aí o pessoal da música foi chegando e… Quero dizer, uma das coisas que aconteceram comigo e com os musicólogos foi que estávamos analisando uma peça do grupo Split Britches que eu conhecia muito bem, e talvez já tivesse até escrito algo a respeito, em que as atrizes cantam o tempo todo. E eu nunca tinha escrito nada sobre a música, quero dizer, [eu nunca tinha] considerado seriamente como a música compunha a performance. Então é assim que a interdisciplinaridade tem funcionado para nós, eu acho; é muito diferente de se imaginar essas coisas dentro de um modelo etnográfico, que... que o leva para trás, não que eu ache que isso não tenha importância, eu simplesmente não acho que isso seja o princípio orientador.
Diana: Eu sei que você tem trabalhado muito sobre o virtual; e quando falamos em performance, e frequentemente sobre estudos da performance, tendemos a achar que estamos enfocando o corpo como o objeto de análise — na corporeidade como uma espécie de fenômeno social, político e histórico. Como você imagina isso no virtual, onde não temos o corpo físico online? Podemos ainda assim falar em performance ou estamos falando de outra coisa?
Sue-Ellen: Bom, acho que o que eu estava tentando fazer nesse meu último livro — sobre o virtual, a performance, a ciência e a performance, etc. — era indicar que, mesmo historicamente — porque [no livro] eu fiz um falso passeio através do tempo — formas de corporeidade sempre... compreender as formas de corporeidade, ou corporificar, ou qualquer coisa, isso implica algo virtual em si mesmo. Quando dizemos “embody” [encarnar, corporificar], o que significa esse “em”? (Risos) Então, veja, o léxico tem sido o léxico do virtual... você pode chamá-lo de espiritual ou de místico, seja qual for o termo historicamente atribuído a isso, o material e o virtual sempre influenciaram a noção um do outro. Então eu acho que o virtual, tal como existe na tecnologia, teve que usar o mesmo léxico para explicar os efeitos da participação eletrônica – portanto o léxico permanece. Você sabia que o termo avatar é um termo hindu e, na realidade, retirado de antigas práticas religiosas? Então o léxico e a história permanecem. Portanto, na verdade, estamos apenas mudando a tecnologia, ou a techné, para citar Heidegger, por exemplo, através da qual entendemos a relação entre esses discursos. E é isso o que me fascina, e eu acho que o teatro é o... ou os grupos que experimentam entre os sistemas corpóreos e virtuais, que são geralmente eletrônicos [barulhos vindos da rua], entram nesse tipo de jogo. E com isso eu quero dizer jogo de... de falar mais alto (risos) porque estão tocando música bem ali e nós vamos ignorar isso.
Enfim, acho que esse jogo sempre esteve presente. E se você analisar a obra Everyman, você poderia... você teria que falar sobre o virtual. E se você observar o trabalho da The Builders Association, você vai também ter que falar sobre isso, mas a partir de tecnologias diferentes. Então eu acho que os estudos da performance podem ir lá — ainda não foram, necessariamente, porque eu não acho que dá para entender isso a partir de uma perspectiva etnográfica. Mas há vários modelos teóricos que podem ajudar, que são diferentes. Por exemplo, no meu livro, eu abordei bastante a música — abordei John Cage, o “Deep Listening” de Pauline Oliveros
Oliveros, Pauline. 2005. Deep listening: a composer's sound practice. New York: iUniverse, Inc.X
, todo o trabalho antigo dela, o jogo entre o analógico e o digital — como metodologias discursivas, e não apenas como a natureza de uma guitarra elétrica ou de uma guitarra acústica, mas como as pessoas entendem essa diferença, isso que é crucial. E isso faz parte dos estudos da performance para mim; eu tenho alunos trabalhando nessa área e tudo isso me ajuda a entrar nessas questões, eu acho."A performance arte é um dos lugares onde isso [os estudos da performance] começou e, para algumas pessoas, isto foi um fenômeno da costa oeste, totalmente vinculado ao feminismo e aos primeiros trabalhos de Judy Chicago ... e Chris Burden e essas pessoas foram uma espécie de fenômeno de performance da costa oeste que saiu lentamente de dentro das galerias para as noções de documentação."
Diana: Certo. Eu apenas argumentaria em defesa dos estudos da performance que fazemos na NYU que nem tudo é etnográfico, de modo algum. Quero dizer, mesmo considerando Richard Schechner, como uma das pessoas que integraram esses debates iniciais, ele também é diretor de teatro, certo? Ele também faz várias outras coisas. E eu acho que nos baseamos muito na linguística, na retórica, no... no corpo, digamos, nos trabalhos corporais ao vivo, ou em instalações, ou no trabalho que sai das galerias. Portanto eu não diria que isto é apenas etnográfico, mas eu concordo que o jeito como a história do campo é contada tem dado bastante ênfase a esse momento Victor Turner–Richard Schechner. Que foi de fato parte da origem, se apenas analisarmos em termos da institucionalização; nesse ponto eu concordo e acho que você está certa em dizer que tudo aquilo que estava acontecendo, a crítica mais ampla acerca das disciplinas e dos limites disciplinares, que mantinham os trabalhos dissociados... se você pensar todos os happenings, todo o ativismo, se você levar em conta tudo isso, obviamente houve um movimento muito, muito grande que simplesmente foi institucionalizado de um modo muito particular, em um certo departamento.
Sue-Ellen: Sim, mas eu acho que…
Diana: E isso é …
Sue-Ellen: ...em um certo departamento e nas pessoas que se formaram nesse departamento. E de lá foram para a Northwestern [University], sabe, e se aproveitaram algo do que já estava sendo feito na Northwestern. Mas eu acho, particularmente, porque eu não sou fruto de nada disso — eu venho mais do tipo de coisa que estava acontecendo na University of California, Santa Cruz, chamada História da Consciência, que foi onde Susan Foster se formou, por exemplo, e aprendeu a pensar sobre a “dança” de um modo diferente, com Hayden White. Eu acho que a História da Consciência... eu fiz bacharelado e mestrado em algo que se chamava “Integração das Humanidades”, na University of San Franciso State, que era um programa imensamente experimental que foi aberto ali numa determinada época e que atraiu Herbert Blau e pessoas assim. Então eu acho que há outras genealogias, e eu leio a obra do Schechner ao longo desse caminho, mas não foi ele que me direcionou para esse caminho.
Diana: Certo, certo.
Sue-Ellen: Então eu acho que é aí que está a diferença...
Diana: Absolutamente.
Sue-Ellen: ...que havia um ambiente propício, pelo menos no sistema da University of California, para se explorar algo como a História da Consciência, que tentava gerar modelos, modelos integrativos. E esse foi mais o tipo de modelo do qual eu vim, um tipo de modelo integrativo. Então eu não acho... até mesmo quando eu analiso a TDR – e eu só analisei aquele número – frequentemente me parece meio etnográfica. E não é uma revista para a qual eu pense em mandar um trabalho meu, por exemplo, então... pode até ser que eles gostassem de publicar o meu trabalho, não estou dizendo que não, mas eu não penso nela quando eu penso em publicar, porque de certo modo eu penso nela assim. Certo? E eu... outra vez, quando eu estava expondo para você o meu argumento sobre as duas costas, sabe... eu realmente acho que, tendo saído do sistema da University of California, onde houve todo esse processo de exploração acadêmica, e sendo que a Berkeley [University] estruturou o seu departamento de forma totalmente interdisciplinar — na verdade é mais um centro, do que um departamento — e eu também tenho meu centro... acho que esse realmente é um modelo diferente, sim.
Diana: Sim, eu concordo com você.
Sue-Ellen: Sim.
Diana: Muito obrigada.
Sue-Ellen: Tudo bem.
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