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What is Performance Studies?

Diana Taylor, Author

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Performance, política e protesto


Performance, política e protesto

Marcela A. Fuentes, Northwestern University

A performance, definida como comportamento estruturado, sempre carrega consigo a necessidade de se considerar a política da corporeidade. Ao utilizar a performance como uma lente analítica para o estudo do comportamento cotidiano, podemos ver como distintas noções de corporeidade são produzidas e questionadas: das práticas e regulações que moldam as formações raciais aos roteiros normativos que estruturam as performances de gênero e sexualidade no dia a dia, e das cuidadosamente elaboradas apresentações de políticos às manifestações populares, igualmente elaboradas e contingentes. A relação entre a performance e a política dá forma a uma grande gama de comportamentos, sujeitos e agentes, abrangendo desde os corpos individuais aos corpos de protesto. 

Como Diana Taylor menciona em sua intervenção neste livro, a performance é um conceito que abarca tanto protocolos normativos quanto a resistência aos mesmos. Ambas concepções de performance podem estar presentes num mesmo evento: enquanto manifestantes participando de um grande protesto, nós podemos perturbar as estruturas de poder, ao mesmo tempo em que enquanto sujeitos identificados dentro do binário masculino/feminino, nós provavelmente estaríamos seguindo as normas de gênero estabelecidas.

O ativismo contemporâneo, tanto em sua versão “ao vivo” como na sua versão online, expõe as relações de interconexão entre a estética e a política. Embora, historicamente, há numerosos exemplos dos usos táticos de comportamento corporal no contexto dos chamados eventos de desobediência civil — por exemplo, os protestos passivos de Gandhi, Rosa Parks recusando-se a obedecer regras de segregação, e as rondas das mães dos desaparecidos na Argentina e em outros lugares — as manifestações contemporâneas recorrem intensamente a elementos simbólicos e ao uso do corpo para comunicar reivindicações que vão além de fronteiras geográficas e de língua. Ancorados na sociedade do espetáculo, os manifestantes põem em prática uma variedade de estilos comunicativos e técnicas de mobilização que incluem o uso estratégico de declarações feitas por meio de ações corporais não-verbais. Essas práticas, como os panelaços e as assembleias improvisadas, ou “consultas”, que nasceram na América Latina, são apropriadas tanto por movimentos progressistas quanto conservadores, local e globalmente. Em muitos casos, como no do movimento Ocupe ou em contextos de diáspora, o ato de citar uma tática de protesto específica cria uma continuidade histórica e uma afinidade ideológica que atravessa fronteiras.

Essa “alfabetização performática” mostra como os manifestantes contemporâneos se baseiam em repertórios de protesto anteriores e os expandem. Cada vez mais, presenciamos e participamos de atos locais e globais de protesto e solidariedade que envolvem configurações visuais, sonoras e comportamentais, consideradas pelos manifestantes como formas eficazes de reivindicar, reconquistar espaços e denunciar condições abusivas. Por exemplo, em 2011 no Chile, os estudantes dançaram o "Thriller" de Michael Jackson (hoje um clássico da coreografia flash mob) como uma forma de resistência às políticas do estado chileno de cortes no financiamento da educação pública. Os zumbis de Michael Jackson claramente transmitiram o conhecimento dos manifestantes sobre os efeitos corporais (sugar a energia de seres até então cheios de juventude) da virada neoliberal do governo na área da educação. De modo semelhante, no Canadá, os estudantes apropriaram a tática de bater panela que surgiu no Chile nos anos 70, para rejeitar o iminente aumento nas taxas escolares. Ambos os grupos de estudantes, os chilenos e os canadenses, consideraram que essas ações coreografadas seriam ferramentas efetivas para chamar a atenção nacional e internacionalmente, e pressionar o governo para conseguirem um resultado favorável. Ambas as performances, a coreografia flash mob e o panelaço, são métodos para amplificar o alcance e o tom dos protestos locais, e ambas carregam consigo o potencial de serem replicadas em outras partes do mundo, criando redes de empatia e pontos nodais dentro de um movimento social mais amplo contra o neoliberalismo e o neoconservadorismo.

Essa reprodução de performances de protesto não ocorre exclusivamente num tempo-espaço sincrônico. Embora as manifestações supracitadas tivessem acontecido in loco, em locais públicos nos quais o povo convergia, elas também “viajavam”, podendo contar com o apoio de pessoas do mundo inteiro. Além de encaminhar informação e de dar um “like” nos vídeos do YouTube postados no Facebook, os panelaços, por exemplo, foram replicados online. 
Os apoiadores se encontravam no Twitter através de hashtags (#) e clicando em tags em outras mídias sociais. Essa era a iteração digital do papel que o barulho das panelas cumpria nas manifestações nas ruas. Através desses meios digitais era possível notar e seguir os protestos, assim como a cacofonia de sons que emergia no espaço público. Os manifestantes batendo panelas e se reunindo em torno dos hashtags #cacerolazo ou #casserole (panelaço ou panela) demonstram como a convergência hoje em dia é alcançada em distintos espaços e sites, através de técnicas que incluem meios digitais e em rede de atingir as pessoas. Os panelaços online demonstram que o digital é hoje uma parte integral dos atos de protesto. Os manifestantes contemporâneos encontram maneiras de conectar o que acontece ao vivo com o disperso, o in loco e o mediado, com a transmissão em tempo real, compartilhando a documentação de protestos anteriores ou carregando nas manifestações cartazes com informações de sites de mídia social onde as pessoas podem continuar a se comunicar quando o evento acabar. O físico e o digital estão entrelaçados e se retroalimentam.

As manifestações contemporâneas que acontecem em vários lugares simultâneos desafiam acadêmicos a repensarem noções de corporeidade para além do corpo biológico, assim como noções de performance in loco que problematizam noções prévias de site-specificity (especificidade de lugar). As performances online expandem as maneiras em que a performance é redefinida com um evento corporificado, ao vivo, e in loco, que critica e intervém sobre o capitalismo digital transnacional atual.

As performances de protesto também levantam a questão do valor e da eficácia de eventos simbólicos corporais, tanto online quanto offline. Acadêmicos de diferente disciplinas empregam a performance como uma lente analítica para ampliar os parâmetros que parecem ser apropriados para se medir o papel e o impacto de comportamentos simbólicos em relação às mudanças sociais. Levar protestos performáticos a sério, mesmo que seus resultados a longo prazo não possam ser imediatamente discernidos, nos permite explorar subjetividades políticas contemporâneas (nem todas necessariamente progressistas) e as maneiras em que a relação entre ação humana e política está sendo redefinida nos contextos pós-coloniais, neoliberais, e neoconservadores, com sistemas e legados de opressão e resistência que sobrepõem-se uns aos outros. 

Este livro Scalar cobre uma ampla variedade de estudos de caso, questões, e histórias que têm a ver com a relação entre a performance e a política no sentido geral e com protestos estruturados ou atos dissidentes em particular. Os acadêmicos entrevistados discutem questões relacionadas à performance e à política no contexto da Guerra do Iraque após o 11 de Setembro (Schechner e Pellegrini), à violência de gênero no México (Reguillo), à cultura indígena no México (Serna) e no Chile (Falabella), aos supracitados protestos estudantis no Chile (Eltit), às hoje históricas intervenções organizadas pelo ACT UP (Browning) e a performances por artistas que estão contestando o policiamento normativo de gênero e sexualidade (Case), entre outros exemplos. 

Vindo de diferentes disciplinas e metodologias, os acadêmicos neste livro refletem sobre a política da performance em distintas escalas. Falam da importância tanto da performance em si (enquanto evento específico) dentro do ativismo e dos movimentos sociais, quanto da relevância social da performance como lente crítica. Para estudar como performance comportamentos e eventos que não são considerados “performance” a priori, os acadêmicos utilizam metodologias vindas do teatro, da dança, da antropologia, e da cultural visual e digital. Os acadêmicos se baseiam nessas metodologias interdisciplinares para estudar, por exemplo, o que a simulação, a teatralidade e a performatividade conseguem quando utilizados como parte de atos de protesto.

Em sua entrevista, a acadêmica mexicana Rossana Reguillo, vindo dos estudos da comunicação, propõe o conceito da “ação dramatúrgica” (de Habermas) como precursor dos anos oitenta do atual interesse pelas dimensões estéticas do político (uma questão central, que hoje no contexto das ciências sociais se denomina de “virada performativa”). Segundo Reguillo, a “ação dramatúrgica” refere-se a atos performativos que têm o objetivo de produzir efeitos políticos. Reguillo caracteriza a atenção analítica dada à ligação entre as dimensões estética e política das manifestações públicas como um esforço para compreender a mobilização social “através da decomposição ou desconstrução dos seus componentes éticos e estéticos, o uso da língua, o uso do corpo.” Apesar de que, na sua perspectiva, os estudos da performance não se consolidaram como um campo na América Latina, para Reguillo os estudos da performance oferecem as metodologias necessárias para restaurar a complexidade dos estudos de ações empregadas por ativistas e manifestantes com o objetivo de conscientizar e trazer mudanças. Metodologias que fazem parte daquilo que estamos chamando aqui de o campo dos estudos da performance, oferecem as ferramentas analíticas necessárias para evitar a anestesia superficial da cultura e, no seu lugar, focar nas consequências e efeitos políticos provocados pelo uso de elementos estéticos por parte de manifestantes e ativistas. Reguillo conceitualiza o performativo em atos políticos como “as línguas dos Outros, Outras línguas.” Sem perder de foco as agendas e mensagens concretas transmitidas pelos movimentos sociais, Reguillo está interessada nas suas tácticas, na “capacidade de rir do poder” e “na capacidade da imaginação” concretizada por mobilizações atuais. Reguillo vê a “performance” como um termo útil para caracterizar essas operações e como uma palavra que assombra e complica as abordagens tradicionais vindas das ciências sociais.
 
Baseado no seu trabalho sobre minorias perseguidas e corpos “abjetos”, Patrick Anderson, acadêmico estadunidense dos estudos da performance e estudos da comunicação, e Soledad Falabella, acadêmica da performance, literatura, e indigeneidade no Chile, vinculam a performance e a política à questão da ética. Embora esses acadêmicos reconheçam a importância da performance para mudar estruturas de poder, eles enfatizam a necessidade de dar um acompanhamento contínuo às comunidades que eles estudam (Anderson), assim como de lidar com corpos que são categorizados como abjetos em termos de gênero, sexualidade, raça, e/ou etnia (Falabella). Isso significa focar não apenas naquilo que emerge através da performance mas também nos momentos e seres que escapam de vista. Esses acadêmicos enfatizam o fato de que a performance é uma ferramenta de empoderamento para aqueles que seguem esse caminho, assim como uma estrutura que cria uma responsabilidade para os acadêmicos de também prestar atenção àquilo que não se performa. Nesse aspecto, Anderson, que estuda greves de fome e outras performances extremas, afirma que “a performance não é meramente uma alegoria para se pensar sobre greves em prisões, ela requer que prestemos atenção ao modo como o estudo acadêmico tem efeitos que afetam diretamente as cenas das quais estamos falando.” Como uma lente analítica focada na política do comportamento, a performance exige que acadêmicos reflitam sobre sua própria prática como uma performance de poder/saber, tornando-se responsáveis pelos efeitos possíveis e concretos dos resultados e pesquisas e discursos acadêmicos sobre as performances e performers que estudamos. Semelhantemente, Falabella reconhece a performance como tanto um objeto de estudo quanto uma lente através da qual podemos analisar as constituições materiais e subjetivas do espaço público como esfera política. Falando a partir da América Latina, Falabella chama a atenção para a maneira em que certos “corpos abjetos” não têm tido acesso ao espaço público como um espaço de constituição política, e continuam sendo categorizados como “infrahumanos”. 

A artista e intelectual chilena, Diamela Eltit compartilha duas perspectivas sobre a performance. A primeira, como artista que produziu “atos estéticos”, encenando o corpo dentro de espaços com uma função política. Eltit foi membra do CADA (Colectivo de Acciones de Arte), um coletivo artístico que fez performances multi-locais em locais artísticos e não artísticos, principalmente durante a ditadura de Augusto Pinochet. Sua primeira perspectiva é, então, como criadora de performances que, interpelando aqueles no poder e o mercado de arte, enfatizavam a relevância social da arte. A segunda perspectiva sobre a performance que Elitit aborda na sua entrevista neste livro vem da sua análise dos usos e efeitos da performance no contexto das manifestações estudantis de 2011 e além. A partir de uma concepção ampliada de performance (que vê a vida como performance além daquilo que é, em si, uma performance, como as que criou com o CADA), Eltit analisa como a performance (na forma de atos simbólicos estruturados) desempenhou um papel central no sucesso do movimento estudantil chileno. Ao contrário da maneira em que movimentos sociais costumam ser definidos em função da sua constituição homogênea, Eltit atribui a eficácia da mobilização estudantil aos seus múltiplos pontos focais: Os estudantes formaram grupos, e “esses pequenos grupos de estudantes, manifestaram-se perante si mesmos, ou se autorrepresentaram dentro do movimento”, de maneira que o movimento, que é muito grande, passou a ter “focos de autorrepresentação”. Segundo Eltit, a performance foi um elemento vital utilizado pelos estudantes para representar os seus distintos pontos focais e as suas afirmações políticas de maneira que fossem facilmente compreendidos. Os protestos estudantis empregaram elementos carnavalescos e incluíram materiais e eventos considerados “leves” (especialmente em comparação com o repertório latino-americano de atos políticos dissidentes) como balões, kiss-ins (beijos em massa), saudações e eventos de grande escala envolvendo o palácio presidencial (os estudantes corriam em volta dele, simbolicamente guardando o edifício, questionando-o, etc.). Para Eltit, essas performances transmitiam uma sensação de segurança, na medida em que elas confrontavam de maneira não violenta. As performances dos estudantes moldaram o que Eltit caracteriza de a “boa onda” do movimento, e isso funcionou taticamente, à medida que os pais e outros setores da sociedade expressaram empatia pelo movimento e viam a eles mesmos representados nas suas próprias reivindicações, embora os protestos estudantis inicialmente só abordassem a questão do financiamento da educação. Essas performances e os discursos feitos por líderes estudantis como Camila Vallejo, finalmente revelaram de maneiras múltiplas as ideologias por trás da gestão da educação como negócio pelo governo, e a posição contrária dos manifestantes de que a educação é um bem social.

Esses exemplos de usos de performance como comportamento estruturado e como lente analítica envolvendo metodologias interdisciplinares demonstram a riqueza de um conceito e uma perspectiva que se foca nas formas em que a estética e a política se entrecruzam e se alimentam. As discussões e ênfases sobre as quais eu me centrei aqui são apenas algumas das diferentes questões políticas que a performance abre. Neste livro você poderá encontrar muitas outras, incluindo a política da história e da cultura oral, da pedagogia, da crença corporificada e da historiografia, assim como diálogos hemisféricos sobre os estudos da performance e a (contestada) constituição de um campo acadêmico que tem uma multiplicidade de origens, redescobrimentos e futuros.


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